segunda-feira, 9 de março de 2015

Bad Trip


- Será que é melhor levar ela pro hospital, cara? - disse Gustavo, em tom de preocupação para Silvana e meu primo Vicente.

Era a segunda crise em 10 minutos. Falta de ar, tremedeira, calafrios, sensação de que iria morrer:
- Nããão, cara, não precisa. Já vai passar - Acalmou Vicente.

Olhei em volta e tudo rodava. Olhei para Silvana, sentada ao meu lado, rindo e tomando vinho. Como se nada estivesse acontecendo. "Vou morrer", pensei de novo quando se iniciava a terceira crise.

- Calma, Ma, vamos de novo respirar todos juntos, ó. - Disse Gustavo, iniciando um mantra da respiração. Totalmente chapado.

Mesmo apavorada, botei uma mão no rosto e abri um meio sorriso:
- Cara, isso é coisa de gente chapada.

Nessa hora, Silvana soltou um riso alto e disse, com seu sotaque italiano:
- VIU! JÁ ESTÁ BOA!

Era a quinta vez que eu fumava maconha e a primeira que dava certo - ou extremamente errado. - Eu não estava nem perto de ficar boa, mas quando a crise passava nós ríamos feito crianças. Vicente estava nervoso e fazia muitas piadas para tentar me distrair, mas eu só conseguia pensar no tempo que não passava, nos meus pais e em como minha mãe encararia a vida sem mim. Mais paranóia do que onda. Eu seria capa de vários jornais pelo Brasil, logo depois do jovem que morreu porque bebeu 30 copos de vodka numa disputa imbecil de quem bebia mais. Já que não apareceria na TV como uma jornalista formada, apareceria como pauta. Très bien! E as senhoras no interior de Minas comentariam "ah, mas esses jovens não têm responsabilidade messss, né? Minha nossinhora!", tricotando na varanda. Me achei idiota. Traguei 4 vezes? Talvez fosse muito para a primeira vez, e para alguém que tomou um dedo de vinho, que nem gosta. Thereza ja me avisou que bebida e maconha não davam certo. Merda, não ouvi ninguém.

- Eu quero ir pra casa, Vi, me leva pra casa! - eu grunhi meio chorosa e muito assustada:
- Vamos - ele disse em tom firme. Eu sabia que ele estava tão chapado quanto eu, mas não queria transparecer e sim, passar segurança. E passou.

Em menos de cinco minutos estávamos de mãos dadas andando pelo corredor do prédio de Gustavo, indo pegar o elevador. Vicente me deu o braço para eu me sentir ainda mais protegida e, por um segundo, me senti uma das senhorinhas de Minas que fazem comentários sobre como o Brasil está decaindo de ano em ano e esses jovens estão cada vez mais inconsequentes.

Fizemos o caminho que Gustavo disse para pegarmos um táxi. Passamos por uma Lei Seca quase desmontada e um alarme vermelho soou em minha cabeça: polícia.
Quando se está tendo uma crise, qualquer coisa que se pense vira um ciclo. Polícia, cadeia, interrogatório. Ninguém morre no Brasil por portar drogas, por enquanto só na Indonésia. Tive controle o bastante para deixar a palavra-vermelha-que-latejava-na-cabeça de lado e entramos no táxi:

- Acho melhor você ir pra minha casa. Lá, você se acalma, a gente conversa e, quando você se sentir melhor e confiante, vai pra casa.

Topei. Estava com receio de ir pra casa e, apesar de saber que não seria julgada, senti um medo bobo disso acontecer, ou não saber como contar para minha mãe. No carro, Vicente pediu para eu olhá-lo. Achei que ele faria uma piada e desviei o olhar duas vezes. Em outro pensamento distante, ele diria que chegou a conclusão que me acha, sim, bonita, e pediria perdão pelas vezes que ficou em silêncio quando eu o perguntei, no mesmo dia. A verdade é que ele achou muito louco aquele vídeo que as pessoas se olham por quatro minutos. Chegamos. Não sabia se tinha sido rápido ou devagar. Estava sem parâmetro de tempo.

Entramos no prédio e eu tentei fingir normalidade. Já foi um lucro não ter tido nenhuma crise dentro do táxi. Cumprimentei o porteiro e entramos no elevador. Chegando no apartamento, sentei no sofá e novamente pensei na vida. A crise veio e eu tremia de pavor e de frio. Bebi água e confessei que estava com medo, já chorando. Vicente me abraçou e disse que sabia qual era essa sensação, que era bom eu estar ali com ele que era alguém conhecido. Sentia um medo puro do julgamento, do hospital, de criar alguma paranóia, síndrome do medo, pânico, ansiedade, morte. Sempre ela. Que bobagem, talvez a morte seja mais fácil do que a vida.

Recostei no sofá e tombei a cabeça para trás, com os olhos fechados. Sentado ao meu lado, ele passou lentamente o dedo pela minha testa até a ponta do nariz, num movimento vai-vem. Ele disse que eu era igual ao meu pai e passou o dedo mais forte no meu ossinho levemente acentuado do meio do nariz dizendo "principalmente aqui". Entrei num mundo de carinho e fofura naquele momento, mas imaginei que, se eu o olhasse, aquele ângulo não seria o melhor e, talvez, ele me achasse feia de novo. Ri, pensando que o que havia acabado de pensar era besteira, ri de mim, dele. Tudo começou a ficar mais leve e calmo.

Dançamos, falamos sobre coisas e as repetimos porque não conseguimos prestar atenção, e ele vestiu as roupas que compramos no shopping na minha frente. Agora, numa onda de diversão e companheirismo, pura maconha no cérebro, sem bad vibes. Nos abraçamos e pedimos desculpas por brigas e arrependimentos passados, como se estivéssemos num show e tocasse a nossa música preferida. A trilha da vida real era o barulho de chuva e as nossas vozes, por vezes atrapalhadas por algumas fungadas. Vicente, ali, era meu primo, minha família, minha fortaleza. Chapado sóbrio, de um jeito que só ele consegue ficar. Calma, você não vai morrer, não. É só uma bad trip.

E a velhinha mineira, sentada na varanda, vendo aquela cena, disse "esses jovens... cada vez mais loucos! Eu num intendo é mais nada, sô!"