segunda-feira, 25 de abril de 2016

Im-partido

O caminho que eu sempre fazia pra casa dos meus avós, agora tinha outro ar. Cada passo, uma lembrança diferente. Meu avô me levando pra casa, de mãos dadas. Sua mão era quente e lisa como o lar. O dia em que saiu comigo, na chuva, para comprar um óculos escuros. Que besteira. Quem, no auge de seus 15 anos, quer um óculos escuros? Mas ele foi, e comprou. Lembrei da vez que me deu uma folha de seu livro para ler. Era praticamente um conto erótico. Eu ri, e falei que estava muito bom - e estava mesmo. Enquanto lembrava, caminhando, sentia uma mistura de tristeza e muita saudade. Uma saudade que dói, não que afaga. Olhei para o céu e ele parecia rir pra mim, como se dissesse que o casal de velhinhos que me criou estava nos braços de Deus, juntos e muito felizes. Devem estar mesmo, a festa lá está melhor que aqui. Cheguei no prédio e, ao lado do elevador tem um quadro com datas, nomes, telefones, escritos pelo síndico. O síndico quando ainda era o Sr. Estevão, meu avô. Sua letra era impecável, eu podia jurar que o telefone lá escrito tinha sido redigido e pregado lá hoje mesmo. O elevador tinha o seu cheiro. Meu coração batia forte, na esperança de quando abrirem a porta, quem sabe? O coração cismava em relembrar memórias de anos atrás, quando a mente tentava avisar que já não é mais. Não é mais o tempo, o cheiro, a voz, o abraço. Agora, meu bem, só daqui a muitos anos. Meu casal do coração se foi, meu modelo de amor, respeito, carinho e paixão. Tento me agarrar ao que ainda é, ao que ainda resta de coisas boas que eles deixaram. Em mim, eles plantaram a fé, o amor pelos livros, pela escrita, pela pintura, pela fotografia. Esse legado, meu bem, ninguém tira. E o amor, que vaga pelo ar e resiste ao tempo. Aqui, hoje, essa casa tão grande e tão alegre, parece maior ainda, porém triste. Não parece nada com a casa que passei a infância, mas ainda possui rastros de quem viveu aqui. A mesa de centro, as fotos, as pinturas na parede. Meu coração vai na boca, na esperança de entrar no quarto e dar de cara... Quem sabe? Tomara que seja mentira. Vão com Deus, eu amo vocês.